Sob pressão, bancos tentam nova postura
Raquel Balarin
Valor Economico
20/08/2009
As reuniões com analistas que o Itaú Unibanco promove são tidas como exemplares. Durante todo o dia, altos executivos do banco dão explicações sobre o balanço, respondem a perguntas de analistas sobre o futuro da economia, detalham provisões e conversam com a imprensa. Ontem, entretanto, na reunião realizada em um buffet em São Paulo, um assunto indigesto dominou as sessões de perguntas dos jornalistas e os comentários à boca pequena. O que os Setubal (o presidente Roberto e o vice-presidente de relações com investidores, Alfredo) tinham a dizer sobre as críticas públicas feitas na semana passada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, aos bancos privados e a Roberto? Os Setubal responderam com silêncio e decidiram "não jogar mais lenha na fogueira", como afirmou Alfredo.
Na semana passada, ao anunciar a volta do Banco do Brasil à liderança no ranking das instituições financeiras, Mantega fez críticas ácidas. Disse que os bancos privados iriam "comer poeira" dos bancos públicos se não reduzissem os "spreads" (diferença entre o custo de captação do banco e a taxa dos empréstimos) e aumentassem o crédito. E acrescentou que "o presidente do Itaú tinha se equivocado e perdido a oportunidade de não se equivocar". O "equívoco" tinha sido uma declaração de Roberto Setubal no dia anterior, de que os "spreads" cobrados pelos bancos públicos não eram sustentáveis.
Pouca gente se lembrou, mas há um mês, no lançamento do Vale-Cultura, o Itaú já havia sofrido outra crítica direta do governo, desta vez vinda de ninguém menos que o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. No evento, ele disparou, em referência ao uso da Lei Rouanet: "As pessoas veem o Itaú (Cultural) e nem sabem que aquilo não é deles. Aquilo não tem um tostão do Itaú". Constrangimento. Na plateia estava uma das herdeiras do banco, Milu Vilela. (Detalhe: o Itaú Cultural informou na ocasião que cerca de metade dos recursos investidos anualmente são próprios).
Que há algo acontecendo, não é preciso ser muito inteligente para perceber. Lula tem demonstrado irritação com os bancos privados pelo fato de os "spreads" permaneceram elevados, apesar da queda da taxa básica de juro. O "spread" é uma tecla em que ele bate desde o primeiro mandato. Em reuniões com representantes dos bancos, em mais de uma vez começava a conversa perguntando como é que um sujeito comprava uma geladeira a prazo e acabava pagando duas. Mas, lá atrás, a Selic era mais alta e a explicação não precisava ir muito longe. Agora, a taxa baixou e surgiram novas explicações, como a falta de um cadastro positivo, o acesso de mais pessoas (sem histórico de crédito) ao sistema bancário etc.
Se a bronca é com os bancos privados em geral, por que o Itaú vem apanhando mais? Certamente há razões que dificilmente virão a público. Mas um dos motivos é a antecipação disputa eleitoral de 2010. O Itaú já era identificado com o PSDB. E essa associação da imagem da instituição à do partido ficou ainda mais clara com a fusão com o Unibanco, que tinha em seus quadros vários ex-governo FHC, como Pedro Malan, Demosthenes Madureira de Pinho, Daniel Gleizer e Eleazar de Carvalho Filho. Some-se a isso o fato de que o Itaú tem um dono sentado na cadeira de presidente, a perfeita imagem de banqueiro para ser utilizada em uma eleição presidencial.
A elevação do tom das críticas aos bancos e a coleção de várias derrotas no governo (tarifas, leilão da folha do INSS, correção dos planos etc) preocupa os banqueiros. E, ainda que tardiamente, parece que eles agora concordam que o mundo mudou e que é preciso adaptar-se aos novos tempos. A entrevista dada por Fábio Barbosa, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a Claudia Safatle, do Valor (edição de 11 de agosto, página C8), é um indício disso. Ele cita que agora, além do diálogo com o governo e o Banco Central, é preciso se relacionar com os Procons, o Judiciário, o Legislativo. É bom lembrar que há bem pouco tempo os bancos chegaram a fazer uma operação de guerra contra a aplicação da Lei de Defesa do Consumidor. É uma mudança de postura e tanto, se ela de fato for colocada em prática.
O que alguns banqueiros têm percebido é que, quando a tendência é forte, é melhor se antecipar a ela, em vez de brigar contra. Um grande aprendizado foi o crédito consignado (com desconto em folha de pagamento), um produto que ganhou peso na mão de instituições financeiras de médio e pequeno porte. No início, alguns dos grandes bancos mostraram resistência ao produto porque podiam ganhar taxas maiores em outros tipos de empréstimo. O consignado cresceu e os bancões de varejo tiveram que corrigir a rota.
Um bom teste para os bancos será o cadastro positivo, uma espécie de histórico central de crédito de bons pagadores, projeto que está em tramitação no Senado. No passado, mais de uma vez, executivos de bancos chegaram a torcer o nariz para a iniciativa porque não queriam "abrir os dados" de seus bons clientes à concorrência. O discurso mudou. Com a pressão do governo sobre os "spreads" e a maior dependência dos bancos sobre o resultado de suas operações de crédito, a aprovação do projeto agora é vista com bons olhos pelo sistema financeiro. Para se ter uma ideia da dimensão da medida, simulação da Serasa Experian mostra que, com o cadastro positivo, a taxa de juro seria menor do que a atual para 62% da população tomadora de crédito.
Ainda é cedo para dizer se a mudança da postura dos bancos citada por Fábio Barbosa vai de fato vingar. Mas o fato de os banqueiros terem percebido que é preciso mudar já é um grande passo. E, talvez, um bom tema para um bate-papo entre Barbosa e a ministra Dilma Rousseff, na próxima reunião de conselho da Petrobras (ambos são conselheiros da empresa petrolífera). Amigos do banqueiro dizem que ele e a ministra - possível candidata à Presidência da República - estão se dando muito bem. Na Febraban, o mandato de Barbosa acaba em março do ano que vem.
Raquel Balarin é editora especial em São Paulo
Raquel Balarin
Valor Economico
20/08/2009
As reuniões com analistas que o Itaú Unibanco promove são tidas como exemplares. Durante todo o dia, altos executivos do banco dão explicações sobre o balanço, respondem a perguntas de analistas sobre o futuro da economia, detalham provisões e conversam com a imprensa. Ontem, entretanto, na reunião realizada em um buffet em São Paulo, um assunto indigesto dominou as sessões de perguntas dos jornalistas e os comentários à boca pequena. O que os Setubal (o presidente Roberto e o vice-presidente de relações com investidores, Alfredo) tinham a dizer sobre as críticas públicas feitas na semana passada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, aos bancos privados e a Roberto? Os Setubal responderam com silêncio e decidiram "não jogar mais lenha na fogueira", como afirmou Alfredo.
Na semana passada, ao anunciar a volta do Banco do Brasil à liderança no ranking das instituições financeiras, Mantega fez críticas ácidas. Disse que os bancos privados iriam "comer poeira" dos bancos públicos se não reduzissem os "spreads" (diferença entre o custo de captação do banco e a taxa dos empréstimos) e aumentassem o crédito. E acrescentou que "o presidente do Itaú tinha se equivocado e perdido a oportunidade de não se equivocar". O "equívoco" tinha sido uma declaração de Roberto Setubal no dia anterior, de que os "spreads" cobrados pelos bancos públicos não eram sustentáveis.
Pouca gente se lembrou, mas há um mês, no lançamento do Vale-Cultura, o Itaú já havia sofrido outra crítica direta do governo, desta vez vinda de ninguém menos que o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. No evento, ele disparou, em referência ao uso da Lei Rouanet: "As pessoas veem o Itaú (Cultural) e nem sabem que aquilo não é deles. Aquilo não tem um tostão do Itaú". Constrangimento. Na plateia estava uma das herdeiras do banco, Milu Vilela. (Detalhe: o Itaú Cultural informou na ocasião que cerca de metade dos recursos investidos anualmente são próprios).
Que há algo acontecendo, não é preciso ser muito inteligente para perceber. Lula tem demonstrado irritação com os bancos privados pelo fato de os "spreads" permaneceram elevados, apesar da queda da taxa básica de juro. O "spread" é uma tecla em que ele bate desde o primeiro mandato. Em reuniões com representantes dos bancos, em mais de uma vez começava a conversa perguntando como é que um sujeito comprava uma geladeira a prazo e acabava pagando duas. Mas, lá atrás, a Selic era mais alta e a explicação não precisava ir muito longe. Agora, a taxa baixou e surgiram novas explicações, como a falta de um cadastro positivo, o acesso de mais pessoas (sem histórico de crédito) ao sistema bancário etc.
Se a bronca é com os bancos privados em geral, por que o Itaú vem apanhando mais? Certamente há razões que dificilmente virão a público. Mas um dos motivos é a antecipação disputa eleitoral de 2010. O Itaú já era identificado com o PSDB. E essa associação da imagem da instituição à do partido ficou ainda mais clara com a fusão com o Unibanco, que tinha em seus quadros vários ex-governo FHC, como Pedro Malan, Demosthenes Madureira de Pinho, Daniel Gleizer e Eleazar de Carvalho Filho. Some-se a isso o fato de que o Itaú tem um dono sentado na cadeira de presidente, a perfeita imagem de banqueiro para ser utilizada em uma eleição presidencial.
A elevação do tom das críticas aos bancos e a coleção de várias derrotas no governo (tarifas, leilão da folha do INSS, correção dos planos etc) preocupa os banqueiros. E, ainda que tardiamente, parece que eles agora concordam que o mundo mudou e que é preciso adaptar-se aos novos tempos. A entrevista dada por Fábio Barbosa, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a Claudia Safatle, do Valor (edição de 11 de agosto, página C8), é um indício disso. Ele cita que agora, além do diálogo com o governo e o Banco Central, é preciso se relacionar com os Procons, o Judiciário, o Legislativo. É bom lembrar que há bem pouco tempo os bancos chegaram a fazer uma operação de guerra contra a aplicação da Lei de Defesa do Consumidor. É uma mudança de postura e tanto, se ela de fato for colocada em prática.
O que alguns banqueiros têm percebido é que, quando a tendência é forte, é melhor se antecipar a ela, em vez de brigar contra. Um grande aprendizado foi o crédito consignado (com desconto em folha de pagamento), um produto que ganhou peso na mão de instituições financeiras de médio e pequeno porte. No início, alguns dos grandes bancos mostraram resistência ao produto porque podiam ganhar taxas maiores em outros tipos de empréstimo. O consignado cresceu e os bancões de varejo tiveram que corrigir a rota.
Um bom teste para os bancos será o cadastro positivo, uma espécie de histórico central de crédito de bons pagadores, projeto que está em tramitação no Senado. No passado, mais de uma vez, executivos de bancos chegaram a torcer o nariz para a iniciativa porque não queriam "abrir os dados" de seus bons clientes à concorrência. O discurso mudou. Com a pressão do governo sobre os "spreads" e a maior dependência dos bancos sobre o resultado de suas operações de crédito, a aprovação do projeto agora é vista com bons olhos pelo sistema financeiro. Para se ter uma ideia da dimensão da medida, simulação da Serasa Experian mostra que, com o cadastro positivo, a taxa de juro seria menor do que a atual para 62% da população tomadora de crédito.
Ainda é cedo para dizer se a mudança da postura dos bancos citada por Fábio Barbosa vai de fato vingar. Mas o fato de os banqueiros terem percebido que é preciso mudar já é um grande passo. E, talvez, um bom tema para um bate-papo entre Barbosa e a ministra Dilma Rousseff, na próxima reunião de conselho da Petrobras (ambos são conselheiros da empresa petrolífera). Amigos do banqueiro dizem que ele e a ministra - possível candidata à Presidência da República - estão se dando muito bem. Na Febraban, o mandato de Barbosa acaba em março do ano que vem.
Raquel Balarin é editora especial em São Paulo
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